Flávio Oliveira

Fiz algumas sugestões na consulta pública para a licitação do transporte público de Aracaju. Será que a prefeitura vai acatar?

Passageiros se amontoam em ônibus sucateado no Terminal do Mercado. Autoria própria.
04/04/2024 às 21:09:16

A prefeitura de Aracaju abril consulta pública para o processo licitatório do transporte público de Aracaju e região metropolitana. O processo será comandado pelo Consórcio de transporte criado em 2015, durante a administração João Alves, e aprovado na Assembleia Legislativa.

Durante a fase de consulta pública, que vai até esta sexta-feira, 5 de abril, qualquer pessoa pode deixar suas sugestões no site disponibilizado peo consórcio. Com isso, nosso coordenador Flávio do Direita Sergipana fez um estudo de processos licitatórios de outras capitais e trouxe algumas sugestões para a licitação de Aracaju visando melhorar o edital, que é muito ruim, e buscar o mínimo de dignidade no serviço que será ofertado à população, que sofre com um péssimo transporte coletivo.

Confira abaixo a íntegra das sugestões:

  1. CONTRATAÇÃO DE ENTIDADE SEGURADORA PARA FISCALIZAÇÃO:

Contratação de uma entidade privada fiscalizadora e seguradora para garantir o cumprimento do contrato por parte das empresas licitadas. A empresa seguradora seria contratada pela prefeitura e atuaria na fiscalização e coleta de informações dos usuários do sistema.  A seguradora ficaria responsável por avaliar a qualidade na prestação dos serviços, fiscalizar a conservação dos veículos e seria responsável pelo pagamento de indenizações aos usuários em caso de acidentes ocorridos com os ônibus que provoquem danos materiais ou físicos, além de restituir os cofres públicos por prejuízos causados pela da má prestação dos serviços – a exemplo de greves decorrentes de atrasos salariais por parte das empresas – ou o não cumprimento do contrato por parte das empresas licitadas.

Tal sugestão é baseada no Performance bond, um seguro-garantia que garante que um contrato seja cumprido da maneira como foi acordado na sua concepção. É amplamente utilizado nos EUA e previsto em lei em algumas cidades brasileiras, a exemplo de São Paulo.

Também conhecido como seguro anticorrupção, a proposta dificulta o favorecimento por parte de agentes do Estado que podem agir em conluio com as empresas a fim de atenderem seus próprios interesses em detrimento dos usuários e clientes.

  • REVISÃO DO NÚMERO DE LOTES A SEREM LICITADOS

A quantidade de 2 lotes proposta no estudo é insuficiente para atender a demanda de toda a região metropolitana e coloca em risco a operação, já que se uma das empresas vencedoras enfrentar problemas e deixar de prestar os serviços, haverá apenas uma para suprir a demanda, o que abre a possibilidade de enfrentarmos um monopólio na prestação de serviço. Por exemplo, a cidade de Salvador adotou eu sem processo de licitação esse modelo de lotes, no qual a cidade foi dividida em 3 áreas. Após a realização do processo, uma das SPE (Sociedade de Propósito Específico) enfrentou problemas e deixou de operar, prejudicando toda uma área da cidade e por meses. As outras 2 SPE acabaram assumindo a área de operação.

No caso da licitação de Maceió, cidade que tem uma população equivalente a da região metropolitana de Aracaju, foram adotados 4 lotes. Portanto, fica a sugestão da divisão em 4 lotes.

  • CRITÉRIOS PARA RENOVAÇÃO DA FROTA

Os critérios para substituição dos ônibus deveriam ser baseados não apenas na idade, mas na conservação do veículo, qualidade e características da carroceria e chassis, entre as quais possuir ar-condicionado, ter piso revestido, serem veículos alongados ou articulados (13m ou mais) e não terem sofrido acidentes.

Tal medida visa estimular que as empresas renovem sua frota com veículos de melhor qualidade, oferecendo maior conforto aos passageiros, mesmo no caso de ônibus básicos. Atualmente, na frota de ônibus de Aracaju, existem ônibus sucateados na empresa Atalaia (ex. os veículos de prefixos 62xx e 6300 a 6329) com menos de 9 anos de uso (adquiridos em 2015/2016). Tais ônibus seguem operando enquanto veículos alongados em melhor estado de conservação estão sendo aposentados pelo critério da idade.

Na cidade do Rio, por exemplo, a resolução 3013/2018, apesar de fixar um limite de idade (vida útil) para ônibus básicos em 8 anos, abre exceção no caso de veículos do mesmo tipo que possuam ar-condicionado, permitindo que eles operem por 9 anos.

  • EXIGÊNCIA DE VEÍCULOS ALONGADOS

Exigência de que as empresas ou consórcios vencedores adquiram ônibus padron (13m a 15m) ou articulados para linhas troncais de alta demanda, de preferência com motor traseiro – este obrigatório nos articulados.

  • AR-CONDICIONADO, ITENS DE SEGURANÇA E REVESTIMENTO

Os Ônibus padron ou articulados devem possuir obrigatoriamente ar-condicionado e suspensão a ar.

Na compra de ônibus novos de quaisquer tipos para renovação de frota deve ser adotara a exigência de poltronas estofadas e apoio pra cabeça, bem como piso com revestimento antiderrapante para garantir a segurança dos usuários, especialmente idosos, e reduzir o barulho interno da carroceria.

Adoção de um limite máximo de 20% de poltronas individuais em todos os ônibus, desestimulando a prática adotada por algumas empresas de comprar ônibus com poucos lugares para levar mais passageiros em pé.

Como itens de segurança sugerimos os seguintes itens:

  • Bloqueador de portas, que impedem os ônibus de se locomover com as portas abertas em velocidade acima de 5Km/h;
  • Limitador de velocidade ajustável para que o ônibus possa se deslocar em velocidades variadas conforme o tipo de via.
  • Painel digital numérico indicador de velocidade posicionado acima do para-brisa do veículo e visível para os passageiros.
  • Adoção em veículos novos do vidro traseiro com letreiro digital informativo sobre a linha.

Tais sugestões são adotadas em veículos das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

  • NOVAS LINHAS E DESMEMBRAMENTO DE LINHAS

Sugere-se a criação ou adequação de alguma linha existente para fazer a ligação da zona oeste de Socorro (BR101/BR235) com o terminal DIA. Atualmente as linhas que operam nos bairros Parque dos Faróis (305), Jardim (302), Guajará (306), Sobrado (304) e a sede de Socorro (313) tem como ponto final o terminal Zona Oeste e muitas pessoas que moram em Aracaju trabalham em empresas localizadas nessa área, a exemplo da CENCOSUD e AMBEV.

Em relação ao desmembramento de linhas proposto no edital entendo que isso não seja viável, pois tal medida já foi adotada em outras ocasiões e não deu certo, a exemplo do desmembramento da linha 032-Tijuquinha/Osvaldo Aranha, que foi desmembrada e voltou a ser unificada por conta da falta de rentabilidade nas linhas decorrentes do desmembramento e necessidade de aumento de frota para atender o mesmo número de passageiros.

Além disso, com a implantação dos corredores de ônibus faz-se necessário a ampliação de número de linhas que trafeguem por eles, não o contrário.

Tais sugestões não são invenções nem estão fora da realidade. Ao longo da elaboração deste documento, já enviado no Formulário disponibilizado pela prefeitura, mostrei exemplos de outros editais e argumentos que justificam a implementação de tais sugestões. Dessa forma, busco contribuir para que essa proposta inicial do edital disponibilizado possa ser melhorada, pois está muito aquém das necessidades dos usuários do transporte público de Aracaju e região metropolitana. Trata-se de uma proposta de edital com poucas exigências às empresas e com apenas 2 lotes, o que abre a possibilidade de um monopólio, ou seja, o pior cenário possível para os usuários.

Sem concorrência e com poucas exigências a empresa vencedora poderá oferecer um serviço de péssima qualidade e ainda assim terá garantida sua reserva de mercado. E, caso essa proposta de licitação vá adiante, serão 20 anos de contrato. O que é algo preocupante, pois a licitação que foi vendida como promessa de campanha e esperança para a população pode significar um serviço ainda pior do que o que temos atualmente.